Há alguns anos, passamos a viver uma mudança de Era, com uma ruptura da cultura do “ter” para a cultura do “ser” e das experiências. Iniciou-se a chamada “Nova Economia”, com o adoção em massa da internet, desenvolvimento de startups e suas novas tecnologias, democratização do acesso aos smartphones, cultura de dados, entre outras características dessa nova realidade – isso sem falar nas transformações decorrentes da pandemia do COVID-19.
Enquanto isso, o Brasil segue despontando como um dos países com o Poder Judiciário mais inflado e complexo, com cerca de 80 milhões de processos ativos, gastando quase 2% do seu PIB com a Justiça. Processos chegam a durar mais de 10 anos para serem finalizados.
Nesse cenário, não restou outra alternativa à Justiça/Poder Judiciário, senão evoluir, adaptar-se a essa nova realidade, adequando-se aos anseios da sociedade e passar a vivenciar uma “transformação digital”.
A primeira manifestação dessa mudança, também com o objetivo de se preparar para o uso de novas tecnologias – como inteligência artificial, por exemplo – foi a implantação do processo judicial eletrônico, eliminando a tramitação em papel e o consequente tempo ocioso de tramitação do processo em gavetas e “escaninhos” dos órgãos da Justiça.
Nesse sentido, remonta ao ano de 2003 a primeira experiência com o processo eletrônico, mas hoje, passados 17 anos, ainda não há uma adoção integral, ou seja, mesmo dentro dessa nova realidade, os processos ainda não são 100% digitais.
Isso ocorre muito em razão da complexidade do Poder Judiciário, como referido acima, composto por 5 segmentos de Justiça – das quais destacaremos 3 (Justiça do Trabalho, Justiça Estadual e Justiça Federal) – e as suas peculiaridades, o que leva a adoção de diferentes sistemas pelos tribunais.
No ano de 2009, iniciou-se o desenvolvimento, pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e parceiros, do Processo Judicial Eletrônico – PJe (inicialmente chamado de Creta Expansão), instituído oficialmente em 2013 (Resolução 185/CNJ), sistema hoje adotado integralmente pela Justiça do Trabalho e por alguns tribunais estaduais (Justiça Estadual) e regionais federais (Justiça Federal). Aliás, a Justiça do Trabalho foi pioneira e desde o ano de 2017, 100% de seus novos processos são digitais.
O PJe é, hoje, o sistema disseminado pelo CNJ, que objetiva uma unicidade e padronização nos sistemas de processos digitais em âmbito nacional.
Em paralelo, também no ano de 2009 começou o projeto piloto, na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, do sistema eproc, sendo que a partir do ano de 2010 ele já era utilizado integralmente no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Justiça Federal), que engloba os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Hoje, o eproc é adotado pelo Tribunal de Justiça do RS (que chegou a usar inicialmente um sistema eletrônico próprio) e está contribuindo para a virtualização de processos no estado, que ainda possui um considerável número de processos tramitando em meio físico.
É importante salientar que, além desses sistemas, que podem ser considerados os principais em âmbito nacional dada a sua adoção por diversos tribunais, o maior tribunal do país e também do mundo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ainda usa um terceiro sistema de processo eletrônico, o E-SAJ (tendo recentemente passado por uma polêmica em razão de contrato bilionário com a Microsoft para desenvolvimento de novo sistema).
Como se vê, muitos são os desafios quando se fala em transformação digital da Justiça, veja-se por essa ótica da virtualização de processos, que é premissa básica para aplicação de novas tecnologias. Mas, apesar de todas as dificuldades, fato é que, mesmo do seu jeito, o Poder Judiciário vem trabalhando para se adequar à nova realidade e entregar aos cidadãos a prestação jurisdicional da forma como anseiam – em especial a agilidade na tramitação dos processos.
Dr. Matheus Soares Wagner
OAB/RS 98.305